Mauro Pio dos Santos Junior
Engenheiro Civil, Pimenta de Ávila Consultoria, Belo Horizonte, Brasil, mauroku.jr@gmail.com
Ingrid Belcavello Rigatto
Engenheira Civil, Pimenta de Ávila Consultoria, Belo Horizonte, Brasil, ingridbrigatto@gmail.com
Guilherme Henrique da Silva Pinto
Graduando em Engenharia Civil, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil, guilhermee_22@hotmail.com
RESUMO: A obtenção dos parâmetros de resistência e deformabilidade dos solos é uma parte fundamental dos projetos de engenharia geotécnica e exige a interpretação conjunta de ensaios de campo (com o intuito de estudar o comportamento in situ do solo) e de laboratório (onde é possível impor condições de carregamento específicas). Diversas são as metodologias apresentadas na bibliografia para a obtenção da resistência não drenada dos solos com base em ensaios de campo. Entretanto, é de fundamental importância que essas metodologias sejam testadas e validadas para a aplicação no solo que se busca estudar. Este trabalho tem por objetivo verificar a aplicabilidade da metodologia proposta por Agaiby e Mayne (2018) para a determinação dos parâmetros de resistência não drenados de um solo residual argiloso através do ensaio CPTu. Os valores obtidos são comparados aos ensaios de laboratório no mesmo material para a avaliação do modo cisalhante mais representativo da resistência do material (TXC ou DSS). Para o caso analisado, a metodologia proposta por Agaiby e Mayne (2018) para o cálculo da resistência não drenada por meio do CPTu no solo residual argiloso apresentou boa aderência aos valores de resistência calculados com os parâmetros do ensaio triaxial, enquanto os parâmetros do DSS corresponderam a valores mais conservadores e inferiores de resistência.
PALAVRAS-CHAVE: Resistência Não Drenada, CPTu, Ensaios de Laboratório, Solo Residual, Caracterização Geotécnica.
ABSTRACT: The determination of strength and rigidity parameters of soils are a fundamental part of the geotechnical projects and require the interpretation of field and laboratory investigation. Many methodologies are presented in the literature that aims to determine the undrained shear strength of the soil based on field investigations. Nevertheless, it is of fundamental importance that these methodologies are validated for the application in the soil that one seeks to study. It is the intension of this paper to verify the applicability of the methodology proposed by Agaiby and Mayne (2018) in the determination of the undrained strength parameters of a clayey residual soil using the CPTu. The values obtained are compared to the laboratory data in the same material in order to evaluate the mode of shear that better represents the strength of the material (TXC or DSS). For the analyzed case, the methodology proposed by Agaiby and Mayne (2018) for the calculation of the undrained shear strength using the CPTu in the clayey residual soil showed good adherence to the resistance values calculated with the parameters from the triaxial test, while the DSS parameters corresponded to a more conservative and lower resistance values.
KEYWORDS: Undrained Shear Strength, CPTu, Laboratory Tests, Residual Soil, Geotechnical Characterization.
1 Introdução
Na mecânica dos solos, a caracterização geotécnica dos materiais é vista como base para a análise de seu comportamento e ocorre geralmente por meio de ensaios de campo e laboratório. Entretanto, muitas correlações foram desenvolvidas para solos de zonas temperadas, podendo não representar uma boa aplicação para solos residuais (Vaughan et al., 1988).
Entende-se como solo residual o material proveniente das alterações da rocha mãe, não sendo transportado do seu local de origem. Nesses solos os processos de intemperismo físicos, químicos e biológicos moldam suas características (Blight, 1997). Sendo assim, as propriedades mecânicas estão atreladas tanto à rocha de origem quanto aos processos modificadores do solo. Esse último, em particular, é responsável por conferir uma grande variabilidade aos solos residuais. Conforme apontado por Huat et al. (2006), solos tropicais, vastamente encontrados no Brasil, tendem a apresentar maior resistência e permeabilidade quando comparados a solos oriundos de zonas temperadas, necessitando de uma avaliação mais criteriosa para a determinação dos seus parâmetros geotécnicos.
Sendo assim, é evidente a necessidade de estudos para a correta caracterização de solos residuais tropicais, englobando investigações de campo e ensaios de laboratório para desenvolver ou validar correlações, tornando-as mais assertivas. Dessa forma, este trabalho busca avaliar a metodologia proposta Agaiby e Mayne (2018) para a obtenção da resistência não drenada por meio do ensaio Cone Penetration Test with pore pressure measurements (CPTu), comparando os resultados obtidos com os resultados de ensaios de laboratório. Objetiva-se, portanto, validar as equações propostas para o solo em estudo bem como determinar o modo de cisalhamento mais representativo e adequado para a caracterização da resistência do solo.
2. Metodologia
Estudou-se um solo residual argiloso, que dispunha de ensaios Cone Penetration Test with pore pressure measurements (CPTu) com dissipação de poropressão, ensaios de compressão triaxial (TXC), ensaios de cisalhamento simples (Direct Simple Shear – DSS), adensamento oedométrico, além dos ensaios de caracterização, como determinação do Limite de Liquidez (LL), Limite de Plasticidade (LP), granulometria e teor de umidade.
A metodologia consistiu em avaliar os parâmetros obtidos pelos ensaios triaxiais e cisalhamento simples, comparando-os com os parâmetros obtidos do ensaio CPTu pela metodologia proposta por Agaiby e Mayne (2018). Os ensaios de dissipação de poropressão foram utilizados para definir a posição da superfície freática, bem como definir o perfil de poropressões in situ (u0).
O ensaio de CPTu consiste na cravação contínua do cone no solo à velocidade constante (tipicamente 2cm/s). Esse ensaio possui a vantagem de ser rápido, contínuo, fornecer uma grande quantidade de dados (com leituras tipicamente a cada 2cm) e não ter grande dependência do operador. Medindo-se valores de resistência à penetração na ponta do cone (resistência de ponta – qc) e a adesão do solo à luva durante a cravação (atrito lateral – fs), obtém-se o perfil de comportamento do solo. Ademais, mensurando a poropressão durante a cravação (u2) é possível, por meio de inúmeras correlações semi-empíricas, obter parâmetros de interesse geotécnico (Roberston, 2015).
O ensaio de dissipação de poropressão consiste na paralisação da cravação do cone e monitoramento da dissipação do excesso de poropressão gerado (Δu). O ensaio é realizado até que a poropressão medida entre em equilíbrio com a poropressão in situ naquele local e tempo, ou seja, u2=u0.
Para a determinação do Índice de Rigidez (IR) e do fator de capacidade de carga (Nkt) pelos ensaios CPTu, utilizou-se os valores de u2, qt e a tensão vertical (sv0) para o uso da Equação 1 e 2 (Agaby e Mayne, 2018), bem como a inclinação da linha de estado crítico no espaço p’x q (M) obtida pelo ensaio triaxial.
O ensaio de compressão triaxial e de cisalhamento simples são métodos para determinação dos parâmetros da resistência ao cisalhamento do solo. Em ambos os ensaios, aplicam-se tensões confinantes ao solo de maneira a adensar a amostra e, após a estabilização das poropressões, leva-se o corpo de prova à ruptura por meio da aplicação de um carregamento. Mensurando-se os valores de acréscimo de tensão, da variação de poropressão e deformações, determinam-se parâmetros de resistência e deformabilidade do material ensaiado.
A inclinação da linha de estado crítico no espaço p’x q (M) foi obtida por meio do ensaio triaxial realizado com tensões confinantes de 75, 150 e 300 kPa. Dessa forma, obtém-se o parâmetro M a ser utilizado na Equação 1.
A partir dos dados obtidos com os ensaios de laboratório foi possível calibrar o modelo SHANSEP (Stress History and Normalized Soil Engineering Property) para os dois modos de cisalhamento (TXC e DSS). O modelo SHANSEP, elaborado por Ladd e Foott (1974), além de contemplar o ganho de resistência não drenada do solo com o aumento da tensão confinante (expressa em termos de tensão vertical efetiva), também incorpora o histórico de tensões do solo, por meio da razão de pré-adensamento (OCR), podendo ser expresso em sua forma geral pela Equação 4.
3. Resultados e Discussão
A análise granulométrica do material indica a presença majoritária de argila, sendo 55,2% da sua composição, seguidos por 24,2% de silte, 12,2% de areia e 8,5% de pedregulho, classificado segundo a NBR 7181 (2018). Esse solo residual argiloso possui teor de umidade natural (NBR 6457, 1986) médio de 26,0 ± 4,1%, LP (NBR 7180, 2016) médio de 30,1 ± 5,3% e LL (NBR 6459, 2016) em torno de 54,5 ± 6,9%.
A obtenção da resistência não drenada foi feita para dois modos de cisalhamento distintos: i) Cisalhamento por compressão triaxial com adensamento isotrópico e ii) Cisalhamento Simples (Direct Simple Shear – DSS) seguindo a ASTM D4767-11 e ASTM D6528-17 respectivamente. Em ambos os casos foram adotadas tensões confinantes de 75, 150 e 300kPa.
O diagrama p’ x q para o ensaio triaxial pode ser visualizado na Figura 1, do qual obteve-se o coeficiente M=1,20 por meio de uma interpolação linear dos pontos no estado crítico.
A Figura 3 apresenta o resultado da calibração do modelo SHANSEP para os dados de resistência obtidos por meio do ensaio triaxial e de cisalhamento simples. Os parâmetros obtidos pelos dois métodos estão apresentados na Tabela 1.
A partir do ensaio CPTu realizado em uma estrutura de disposição de rejeitos assente sobre o solo residual argiloso, com a realização de ensaios de dissipação de poropressão ao longo do perfil, foi possível determinar a estratigrafia do local, como apresentado na Figura 4. Os materiais foram identificados como Aterro Compactado (01), Estéril Não Compactado (02), Solo Residual Argiloso Pré-Adensado (03), Solo Residual Argiloso Normalmente Adensado (04) e Solo Residual Rígido (05).
O solo residual argiloso se inicia em uma profundidade de aproximadamente 18,0m (Figura 4), sendo composto por um trecho rígido (qt>2,5Mpa e OCR>2), seguido de um trecho mais compressível (qt<2,5Mpa), normalmente adensado (OCR~1) e com alta geração de poropressão, apresentando Bq>0,60. O trecho final do perfil é composto por um solo residual rígido, que apresenta baixa geração de poropressão na cravação.
Os resultados do ensaio de dissipação evidenciam uma redução nas poropressões a partir de 28m, mostrando o efeito da drenagem de fundo (bottom drainage), observado em diversos ensaios realizados nesse solo residual.
Para o cálculo da resistência não drenada por meio do ensaio CPTu foi adotada a metodologia proposta por Agaiby e Mayne (2018). Nesse caso foram adotados apenas os dados de poropressão no solo residual com Bq>0,60, de forma a retirar os efeitos das paralisações na cravação para a realização dos ensaios de dissipação e da drenagem de fundo no trecho final do ensaio.
A Figura 5 apresenta o gráfico de obtenção de aq para o solo residual argiloso.
A partir do ensaio CPTu realizado em uma estrutura de disposição de rejeitos assente sobre o solo residual argiloso, com a realização de ensaios de dissipação de poropressão ao longo do perfil, foi possível determinar a estratigrafia do local, como apresentado na Figura 4. Os materiais foram identificados como Aterro Compactado (01), Estéril Não Compactado (02), Solo Residual Argiloso Pré-Adensado (03), Solo Residual Argiloso Normalmente Adensado (04) e Solo Residual Rígido (05).
O solo residual argiloso se inicia em uma profundidade de aproximadamente 18,0m (Figura 4), sendo composto por um trecho rígido (qt>2,5Mpa e OCR>2), seguido de um trecho mais compressível (qt<2,5Mpa), normalmente adensado (OCR~1) e com alta geração de poropressão, apresentando Bq>0,60. O trecho final do perfil é composto por um solo residual rígido, que apresenta baixa geração de poropressão na cravação.
Os resultados do ensaio de dissipação evidenciam uma redução nas poropressões a partir de 28m, mostrando o efeito da drenagem de fundo (bottom drainage), observado em diversos ensaios realizados nesse solo residual.
Para o cálculo da resistência não drenada por meio do ensaio CPTu foi adotada a metodologia proposta por Agaiby e Mayne (2018). Nesse caso foram adotados apenas os dados de poropressão no solo residual com Bq>0,60, de forma a retirar os efeitos das paralisações na cravação para a realização dos ensaios de dissipação e da drenagem de fundo no trecho final do ensaio.
A Figura 5 apresenta o gráfico de obtenção de aq para o solo residual argiloso.
Para o valor de aq=0,4962 obtém-se um valor de IR = 213,15 segundo a Equação 1 e Nkt=11,05 conforme a Equação 2, o que permite calcular a resistência não drenada do material (Equação 3).
O perfil de resistência não drenada para solo residual, calculado pelo ensaio CPTu e pelos ensaios de compressão triaxial e de cisalhamento simples (utilizando o método SHANSEP com o OCR calculado segundo a Equação 5), é apresentado na Figura 6.
4. Conclusão
Conclui-se que a metodologia proposta por Agaiby e Mayne (2018) possui boa aderência para o cálculo da resistência não drenada do solo residual argiloso. Como pode ser observado na Figura 6, os valores de resistência obtidos por meio do CPTu são mais aderentes aos valores de resistência calculados com os parâmetros do ensaio triaxial, sendo que o DSS corresponde a valores mais conservadores e inferiores aos obtidos por meio da metodologia sugerida por Agaiby e Mayne (2018). Essa observação também é corroborada por Teh e Houlsby (1991) a Yu e Mitchell (1998).
A vantagem do uso desse tipo de metodologia é que, após verificada a sua aplicabilidade para o material em estudo, sua aplicação é possível sem a necessidade da realização de ensaios adicionais (como o Vane Shear Test) para a determinação do Nkt.
Como pode ser observado na Figura 4, o ensaio CPTu também permite a setorização do perfil geológico-geotécnico com alta precisão. Dessa forma é possível determinar os parâmetros de resistência para os diferentes materiais, aos quais serão atribuídos parâmetros efetivos ou de resistência não drenada, a depender de suas características.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Pimenta de Ávila Consultoria pelo fornecimento dos dados e pelo incentivo à produções acadêmicas de aplicação prática. Um obrigado especial ao Joaquim Pimenta de Ávila e ao Rodrigo Rodrigues Vieira de Oliveira, pelo apoio e disposição para auxiliar tecnicamente nesta pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Agaiby S. S. & Mayne P. (2018). Evaluating undrained rigidity index of clays from piezocone data. 4th Cone Penetration Testing – CPT 2018.
American Society for Testing and Materials (2011). ASTM D4767-11, Standard Test Method for Consolidated Undrained Triaxial Compression Test for Cohesive Soils, ASTM International, West Conshohocken, PA, 2011, www.astm.org.
American Society for Testing and Materials (2017). ASTM D6528-17, Standard Test Method for Consolidated Undrained Direct Simple Shear Testing of Fine Grain Soils, ASTM International, West Conshohocken, PA, www.astm.org
Associação Brasileira de Normas Técnicas (1986). NBR 6457. Amostras de Solo — Preparação para Ensaios de Compactação e de Caracterização. Rio de Janeiro.
Associação Brasileira de Normas Técnicas (2016). NBR 6459. Solo – Determinação do limite de liquidez. Rio de Janeiro.
Associação Brasileira de Normas Técnicas (2016). NBR 7180. Solo — Determinação do limite de plasticidade. Rio de Janeiro.
Associação Brasileira de Normas Técnicas (2018). NBR 7181. Solo — Análise granulométrica. Rio de Janeiro.
Associação Brasileira de Normas Técnicas (1990). NBR 12007. Solo – Ensaio de adesamento unidimensional – Método de ensaio. Rio de Janeiro.
Blight, G.E. (1997). Mechanics of Residual Soils, Balkema, Rotterdam, 237p.
Huat, B.B.K., Ali, F.H.J. & Choong, F.H. (2006). Effect of loading rate on the volume change behavior of
unsatured Residual soil. Geotechnical and Geological Engineering 24; 1527-1544.
LADD, e.e. & Foot, R. (1974), “New design procedure for stability of soft clays”, JSMFD, ASeE, vol. 100,
No. 677,pp. 763-785.
Robertson, P.K., Cabal K.L. (2015) Guide to Cone Penetration Testing for Geotechnical Engineering. Gregg Drilling & Testing, Inc.
Teh, C.I. and Houlsby, G.T. (1991). An analytical study of the cone penetration test in clay. Geotechnique, 41: 17-34.
Vaughan, P.R. (1988). Characterizing the mechanical properties of in-situ residual soils. Geomechanics in Tropical Soil. Proc. Sec. Int. Conf., Singapore, Keynote paper, Vol. 2, pp. 469-486. A.A. Balkema, Rotterdam.
Yu, H. S. and Mitchell, J. K. (1998), Analysis of cone resistance: review of methods. J. Geotech. Geoenviron. Eng. ASCE, 124(2), 140-149.
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
Para baixar o artigo em PDF, CLIQUE AQUI