Analise comportamento hidrico

Jéssica Pereira Duarte
Engenheira Civil, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, Brasil, jessicaduarte22@gmail.com

 

RESUMO: Este trabalho apresenta uma visão geral da influência das sazonalidades e condições climáticas no comportamento hídrico de uma pilha de estéril de minério de ferro em condição não saturada ao longo de um período de tempo. O estudo apresenta, com o uso de um programa computacional de análise numérica, como se dá a interação solo-planta-atmosfera a partir da equação do balanço hídrico e como cada parcela do balanço sofre influência em sua magnitude de acordo com as variações das condições climáticas de acordo com a determinação dos métodos de cálculo da evapotranspiração no solo e a presença da vegetação na superfície. Utilizando o método de Thornthwaite (1948) para cálculo da evapotransipração, com uma cobertura vegetal completa do solo, o resultado do balanço hídrico apresentou um erro equivalente a 7,39 m3. Além disso, quanto a avaliação do grau de saturação ao longo do tempo, observou-se que as camadas mais próximas da superfície se mostraram mais susceptíveis a oscilações no grau de saturação, sendo diretamente impactadas na relação solo-planta-atmosfera. Os estudos desenvolvidos reforçam a heterogeneidade do material que compõem uma pilha de estéril, o que torna complexa a determinação de seus parâmetros de definição das propriedades dos materiais, além da dificuldade da obtenção de dados para determinação das condições de contorno do problema.

PALAVRAS-CHAVE: Pilha de estéril, Solo não saturado, Sazonalidade, Grau de Saturação, Interação solo- planta-atmosfera

ABSTRACT: This paper presents an overview over the influence of climatic and seasonal conditions of a sterile waste pile composed by iron waste in an unsaturated condition over time. The study presents, from a computational program of numerical analysis, how the soil-plant-atmosphere interaction occurs from the water balance equation and how each portion of the balance sheet suffers influence and oscillation in its magnitude according to the variations of the climatic conditions and also according to the different the methods of calculation of evapotranspiration in the soil and the presence of vegetation on the surface. Using the method of Thornthwaite (1948) to calculate the evapotranspiration rate, with a complete vegetal covering of the soil, the result of the water balance presented an error equal to 7.39 m3. Thus, regarding the assessment of the degree of saturation over time, it was observed that the layers closest to the surface were more susceptible to oscillations in the degree of saturation, being directly impacted in the soil-plant-atmosphere relationship. The studies developed reinforce the heterogeneity of the material that compose a sterile waste pile, which makes complex the determination of its parameters of definition of the properties of the materials, besides the difficulty of obtaining data to determine the boundary conditions of the problem.

KEYWORDS: Sterile waste pile, Unsaturated soil, Seasonal conditions, Degree of saturation, Soil-plant- atmosphere interaction.

1 Introdução

Como todo processo produtivo, a mineração gera uma grande quantidade de resíduos durante a extração e beneficiamento do minério. O processo de mineração passa pela etapa de lavra, onde é feita a extração do minério, gerando resíduos de baixo ou nenhum valor comercial, caracterizados como estéril (resíduo sólido da extração) e rejeitos.

De maneira geral, os estéreis constituem comumente os materiais de decapeamento da jazida, escavados e removidos de forma a permitir o acesso aos corpos de minério. Os materiais constituintes são representados por solos e rochas de naturezas diversas, com diferentes granulometrias, que são transportados por caminhões e estocados sob a forma de pilhas em sucessivos alteamentos, caracterizando assim uma estrutura extremamente heterogênea e naturalmente complexa.

Apesar de não passar por nenhum tipo de tratamento ou beneficiamento, os resíduos são retirados de sua localização e forma originais, transportados e depositados em pilhas. Todo esse procedimento altera suas condições de confinamento iniciais, podendo influenciar em características do material – fluxo, estabilidade, confinamento das partículas, oxidação etc. Isso aumenta consideravelmente a possibilidade de ocorrência de erosão devido ao vento ou à água, o que impacta em sua resistência, além de poluir o ambiente ao seu entorno com o carreamento das partículas do solo (ROBERTSON, & KIRSTEN, A. M., 1985).

Quanto a estabilidade, é importante considerar análises a longo prazo, levando em conta o risco de dano à estabilidade da pilha e as mudanças na linha freática. O aumento da zona saturada causado pelo acúmulo de água subterrânea e mudanças na permeabilidade do solo, gerados pela sazonalidade e a diminuição da resistência do material devido ao intemperismo, são alguns fatores que podem levar ao comprometimento da estrutura como um todo (ROBERTSON, & KIRSTEN, A. M., 1985).

É importante considerar para análise deste tipo de estrutura a influência do clima, regime de chuvas, variação da temperatura, entre outras condições sazonais, uma vez que o meio encontra-se disposto sob a interação solo-planta-atmosfera, que reflete em uma variação no grau de saturação do solo não saturado.

Todavia, a consideração de um fluxo transiente em meio não saturado aumenta a complexidade da avaliação hídrica e de estabilidade da estrutura, sendo necessário considerar parâmetros não-lineares, como a sucção no solo, a curva característica e a condutividade hidráulica do meio, a influência e variação da temperatura, evaporação, entre outros.

Dessa forma, este trabalho visa apresentar por meio de análises numéricas a maneira como o regime hídrico é influenciado pelos fatores climáticos e hidrológicos em uma pilha de estéril de minério de ferro ao longo do tempo.

2 Metodologia

Uma vez que as pilhas se encontram naturalmente expostas ao clima, variação de temperatura e à presença de plantas e raízes, é imprescindível analisar o impacto destes agentes no estudo deste tipo de estrutura. Além disso, deve-se considerar que tais agentes não trabalham como uma variável isolada, mas sim como um sistema de interação entre o solo, a atmosfera e a vegetação. O sistema solo-planta-atmosfera envolve uma gama de processos complexos relacionados com aspectos físicos, químicos e biológicos do solo, da água, da vegetação e da atmosfera (BORMA, Gitirana Jr., & Luiz, 2015).

Wilson (1990, apud, BORMA, Gitirana Jr., & Luiz, 2015) propõe uma divisão dos componentes de influência do sistema solo-planta-atmosfera em três fases, sendo a primeira fase referente à interface solo- atmosfera, onde há o suprimento e a demanda de água no meio através da precipitação, infiltração e a evapotranspiração. A segunda fase, caracterizada pela zona não saturada e saturada, dá-se pelas interações do sistema trifásico interticial solo-ar-água e sua influência nas propriedades hídricas do solo. A terceira fase trata da influência da vegetação no sistema, considerando o tipo e desidade da vegetação local e sua influência, principlamente na taxa de escoamento superficial, evapotranspiração, infiltração e retenção de água pelas raízes.

Para avaliar o regime hídrico de uma estrutura exposta à sazonaliade, é importante compreender que a água presente entre a superfície terrestre e a atmosfera se encontra em uma mudança cíclica e constante de estado físico (gasoso, líquido e sólido), denominado Ciclo Hidrológico. O balanço hídrico pode ser representado em forma de um balanço de massas, permitindo quantificar o volume de água armazenado em cada parcela da superfície terrestre, como indicado na Equação (1):

equacao 1

A precipitação é a fase do ciclo hidrológico responsável por suprir a superfície terrestre com água, sendo que parcela desta água é interceptada pela vegetação, quando presente, e a outra parcela (precipitação efetiva), pode escoar superficialmente, infiltrar ou ser armazenada pelos reservatórios subterrâneos (aquíferos).

A parcela da precipitação efetiva que consegue infiltrar no solo tem uma relação inversamente proporcional com o grau de saturação do meio, enquanto o escoamento superficial (runoff) depende da presença ou não de vegetação na superfície, da inclinação do terreno, e da condição de umidade e grau de saturação do solo.

A evaporação, é o processo natural pelo qual a água passa do estado líquido para o estado de vapor a partir da evaporação da água de uma superfície, enquanto que o processo de transpiração é caracterizado pela perda de água em forma de vapor da vegetação, sendo essa a parcela mais representativa na atmosfera. Considerando a dificuldade em separar ambos processos, toma-se a ação conjunta entre a evaporação e a transpiração, denominada evapotranspiração.

Dentre os diversos métodos de determinação da taxa de Evaporação e Evapotranspiração de uma superfície, o Método de Thornthwaite, comumente utilizado por sua simplicidade, tem como base exclusivamente a temperatura do ar. O método de Thornthwaite (1948, apud, Pereira, Villa Nova, & Sediyama, 1997, p. 44) se dá a partir da temperatura do ar, considerando também a radiação solar, a umidade relativa e a velocidade do vento como principais fatores de influência no controle da evapotranspiração. O método resulta na determinação mensal da taxa de evapotranspiração potencial do local, dada pela equação (2).

equacao 2, 3 e 4

Além da definição da metodologia de cálculo da evapotranspiração para o input no programa de modelagem numérica, é necessário definir uma série de dados meteorológicos, de modo a determinar as condições hídricas e oscilações de saturação na estrutura com as variações climáticas ao longo do ano. As análises foram feitas a partir do banco dados do ano de 2008, retirados da estação meteorológica localizada na mina do Pico, em Minas Gerais (PEDRA, 2010), considerando uma série de dados de 348 dias, contados a partir do dia 01 de janeiro de 2008.

Através da metodologia de Thornthwaite, foi calculada a taxa mensal de evapotranspiração com base na temperatura média do ar no local. A Tabela 1 apresenta os valores da taxa mensal de evapotranspiração calculados a partir do banco de dados meteorológicos considerado no estudo.

Tabela 1. Valores de taxa mensal de evapotranspiração (ET) pelo método de Thornthwaite.

tabela 1

Para realizar a análise numérica proposta, foi desenvolvido um protótipo genérico de uma pilha de estéril de método construtivo Ascendente. A geometria da pilha de estéril adotada para a análise considera uma pilha com quatro bancadas de 10 metros de altura e bermas de 20 metros de largura entre bancadas, com uma altura total de 40 metros, assentada sobre uma fundação de Solo Residual de 30 metros de profundidade, como ilustrado na Figura 1.

figura 1

Os parâmetros geotécnicos do material (Tabela 2) foram baseados em valores médios calculados experimentalmente para a Pilha do Correia, mina de Gongo Soco (Pereira, 2009, apud Pedra, 2010, p. 71-72).

tabela 2

Modelar a presença de vegetação e raízes no solo é uma variável extremamente complexa, uma vez que dificilmente os dados de entrada para a definição das condições de contorno são encontrados. Para definir essa condição, são necessários cinco parâmetros de entrada: índice de área foliar, limite de umidade da planta, profundidade da raiz, profundidade da raiz normalizada e fração de cobertura do solo.

O índice de área foliar é um valor adimensional, determinado pela razão entre a área foliar e a unidade de área da superfície solo, podendo ser uma grandeza definida em função do tempo. No modelo numérico foi considerado um valor constante e igual a 5,0.

A fração de cobertura do solo é um fator que varia de 0 (solo sem nenhuma cobertura vegetal) a 1 (solo totalmente coberto por vegetação), geralmente calculada como função do índice de área foliar. Considerou-se para análise uma situação de cobertura total de vegetação na superfície.

O limite de umidade (αw) da planta é um fator de redução utilizado para ponderar os efeitos gerados no solo devido a presença da água e a salinidade do meio e é definido em função da sucção mátrica.

A profundidade das raízes dependerá do tipo de vegetação, mas foram definidas no modelo com profundidade constante de 2,0 m. Enquanto que a profundidade da raiz normalizada pode ser obtida empiricamente a partir da função da densidade do comprimento da raiz, ou seja, comprimento da raiz por volume de solo.

Estabelecidos todos os dados de entrada para caracterizar a modelagem numérica, foi possível simular através do software GeoStudio 2019 (GeoSlope), a evolução das variáveis hídricas do protótipo ao longo de 348 dias na pilha de estéril de minério de ferro, a partir de uma condição inicial de regime permanente estebelecendo o nível freático no contato entre a fundação e o material da pilha. Os resultados da análise encontram-se no item subsequente.

3 Resultados e Discussões

Após a análise do comportamento do protótipo de pilha de estéril ao longo de 348 dias, os valores acumulados de cada parcela do balanço hídrico – taxa de precipitação, evaporação, transpiração, runoff e infiltração – no solo estão indicados na Figura 2.

Como esperado, observou-se que a taxa de transpiração foi signifativamente mais presente que a parcela de evaporação, reafirmando que no processo de evapotranspiração, a maior parcela responsável pelo processo se dá pela perda de água através das plantas. Além disso, deve-se pontuar a influência da taxa de infiltração devido à presença de vegetação, cobrindo totalmente a superfície do solo, responsável por interceptar a água da chuva antes de atingir a superfície da pilha.

Calculando então o balanço hídrico a partir de cada parcela na estrutura, indicado na Equação (5), têm- se que o erro final do balanço hídrico pelo método de Thornthwaite considerando a presença de vegetação foi igual a 7,39 m3. De acordo com a GeoSlope (2019), o erro na determinação do balanço hídrico pode ser causado uma vez que, neste tipo de análise, o SEEP/W ajusta as poropressões mínimas no modelo, tentando evitar o ressecamento excessivo do solo durante os períodos de evaporação e transpiração, podendo gerar incompatibilidades no cálculo das parcelas do balanço hídrico.

?+??+?=? →251,54+(5,87−135,66)+(−81,06)=48,08→40,69≠48,08             (5)

figura 2

A evolução do grau de saturação ao longo do tempo apresenta uma variação temporal de acordo com a oscilação dos períodos de chuva e de seca. Percebe-se uma tendência de acúmulo de água no solo até por volta do dia 100, sofrendo uma queda próximo ao dia 275 e apresentando novamente a tendência crescente do acúmulo de água até o fim da análise, dia 348. Os períodos dos dias 100 (Abril) e 348 (Dezembro) coincidem com o período de chuvas em Minas Gerais, onde a infiltração no solo se sobressai. Em contraponto, o período próximo ao dia 275 (Outubro) ocorre logo após o período de estiagem, favorecendo a evaporação. A evolução temporal da saturação no modelo encontra-se ilustrada nas Figuras 3 a 5.

Outro ponto analisado condiz na variação do grau de saturação com a profundidade. Observou-se uma influência maior da sazonalidade nas camadas mais próximas à superfície (interface solo-atmosfera). Enquanto as camadas superiores sofreram alta variação na saturação ao longo das análises, as camadas mais profundas mantiveram-se com grau de saturação praticamente constantes, apresentando pouca ou nenhuma alteração a partir das condições sazonais.

Percebe-se também uma tendência maior nas camadas superiores do protótipo à retenção de água, a uma profundidade de até 2,0 m, devido a presença das raízes da vegetação na região. Ao final da análise, nas camadas mais superficias, o solo chega a atingir a condição saturada ou com alto grau de saturação.

figura 3

figura 4 e 5

4 Conclusão

Estruturas como as pilhas de estéril, além de apresentarem uma heterogeneidade forte em sua composição, se encontram expostas diariamente à condições sazonais (precipitação, variação da temperatura e umidade relativa do ar, radiação solar), que em condição não saturada, levam a uma oscilação de seus parâmetros hídricos (grau de saturação, volume de água retido nos vazios do solo, condutividade hidráulica, sucção) com o passar do tempo.

Uma forma de mensurar a influência da sazonalidade num meio tão heterogêneo é a partir da determinação do balanço hídrico, obtido por meio de um balanço de massas entre as taxas de cada parcela do ciclo hídrico, recorrente na interação solo-planta-atmosfera – precipitação, evaporação e/ou transpiração, escoamento superficial (runoff) e infiltração.

As análises apresentadas reforçam o impacto das condições sazonais nas condições hídricas do solo, que sofrem variações ao longo do regime climático anual e podem influenciar diretamente as condições de fluxo e estabilidade de uma estrutura como as pilhas de estéril. O modelo numérico apresentou um erro relativo entre as parcelas do balanço hídrico equivalente à 7,39 m3, ou seja, um erro de 18,2% da taxa de infiltração com relação à parcela de precipitação, evapotranspiração e runoff, devido à inconvergências numéricas daprópria resolução do modelo.

Ademais, observou-se uma uma variação temporal na evolução do grau de saturação de acordo com a oscilação dos períodos de chuva e de seca. Em profundidade, a influência da sazonalidade foi mais perceptível nas camadas próximas à superfície, na interface solo-atmosfera, de modo que as camadas superiores sofreram alta variação na saturação ao longo das análises, diferente das camadas mais profundas. Percebe-se também que a presença de raízes no solo tem influência direta na retenção de água, criando regiões saturadas ou com alto grau de saturação devido a sua presença.

É necessário ressaltar a dificuldade da determinação dos parâmetros de entrada e principalmente das condições de contorno para o problema, elevando o grau de complexidade para obtençao de análises detalhadas e resultados precisos neste tipo de cenário. Além disso, deve-se ponderar a influência do tipo de vegetação escolhida para o local, uma vez que vegetações de espécies diferentes apresentam características diferentes quanto a retenção de água, profundidade das raízes, absorção de água do solo e taxa de transpiração – parcela de maior influência no fenômeno da evapotranspiração.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORMA, L., Gitirana Jr., G., & Luiz, G. (2015). Interação solo-planta-atmosfera e o papel dos solos não saturados. Em I. J. Carvalho, G. d. Junior, S. L. Machado, M. M. Mascarenha, & F. C. (Org.), Solos não saturados no contexto geotécnico. (pp. 327-360.). São Paulo: ABMS.

GEOSLOPE, I. L. (2019). Understanding the Surface Water Balance. Calgary, Alberta, Canada.

PEREIRA, A., VILLA NOVA, N., & SEDIYAMA, G. (1997). Evapotranspiração. Piracicaba: FEALQ.

PEDRA, J. A. (2010). Influência do processo sazonal de fluxo na zona vadosa na estabilidade de uma pilha de estéril de minério de ferro. Ouro Preto, MG: Tese de Doutorado. NUGEO, UFOP.

Robertson, & Kirsten, A. M. (1985). Mine waste disposal: An update on geotechnical and geohydrological aspects. Vancouver, Canada.

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